Encontro
Por ter de relance se visto de corpo inteiro ao espelho, pensou que a protecção também seria não ser mais um corpo único: ser um corpo único dava-lhe, como agora, a impressão de que fora cortada de si própria. Ter um corpo único circundado pelo isolamento tornava tão delimitado esse corpo, sentiu ela, que então se amedrontava de ser uma só, olhou-se avidamente de perto no espelho e se disse dislumbrada: como sou misteriosa, sou tão delicada e forte, e a curva dos lábios manteve a inocência.
Pareceu-lhe então, meditativa, que não havia homem ou mulher que por acaso não se tivesse olhado ao espelho e não se surpreendesse consigo próprio. Por uma fracção de segundo a pessoa se via como um objecto a ser olhado, o que poderiam chamar de narcisismo, mas já influenciada por Ulisses, ela chamaria de: gosto de ser. Encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não imaginei: eu existo.
Clarice Lispector em Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (1969)
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