Capuchinho




Em ti, olhos grandes que convidam a saltar o muro.
Em mim, o encarnado encarando-te no encontro.
Faço do meu cesto o trespasse.
Moeda de troca para o teu ilusionismo.
Bebi o vinho da lengalenga patriarcal que ao desejo repugna.
Bebi, mas com descuido. 
Sem deglutir.

Procuro na carne das vozes, 
onde se complica o bordado meticuloso da nossa hierarquia.
Serei a presa ou o predador?
Não. Essas garras são tuas.
Eu. Virgem.

A cor verde das árvores tenras espraiadas na encosta.
Em ti, toda a saudade vermelha de um sol quente
antes de afundar no horizonte.


Para que serve o caminho se toda a magia surge no desvio?
Na infância e velhice só se respira aventura!
Aventura em experiência e em estado de recordação.

Deixa então deslizar as mãos pelo teu pêlo.
O medo é um vestígio da memória que um outro soprou em nós.
A nossa voluptuosidade ascende brilhante
retorcendo-se como fumo imaginado.
Somos irmãs na sua expressão incontrolada.
Vaga e expansiva. De formas intoleradas.
Ainda não moldadas pela aplicação vigorosa da vergonha.

Porque tens uns olhos tão expressivos?
Uma boca tão grande?
Umas garras tão poderosas?
Uns dentes tão afiados?

Não, certamente não será para me comeres melhor.

Retiro em mim para ti o capuz vermelho, 
queda vertiginosa de uma tarde fugidia.
Teço o plano que te coloca em rota de colisão com as celibatárias.
Afinal caíste tu na armadilha.
É minha a boca do lobo!

Nem lobo ou caçador empunhando o cálice na vitória.
Avó e neta, emolduradas na cambalhota engenhosa da metamorfose.

Com uma cajadada, irrompeu em mim o que nos inicia na vida.
E nela, o reflexo duro de todos os prazeres que em mim serão desvio. 


Capuchinho by Denise Pereira is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivs 3.0 Unported License.

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