O Retrato


Faço da tua cabeça um marcador de livros.
Exponho as tuas tímidas danças em frascos com formol.
Desenho-te as olheiras
com a profundidade luxuriante dos arrozais do oriente.
Deixo os meus dedos a pernoitar no instante da tua aparição.
No tom carmim da tua camisa. 
No ambiente cítrico do teu calçado.
Imagino as tuas roupas soltas. 
Desapegadas do teu corpo robusto.
Inertes, a amarem cada traço meu.


Dos teus olhos de mocho teço uma máscara para cativar os sonhos.
Desço a grafite a direito pelo traço firme e gracioso do teu nariz,
e invento um sorriso quente a partir de uma memória míope.
Imito a tua voz enquanto saboreio algumas palavras.
Detenho-me a antecipar o calor das tuas mãos que imagino ásperas.


Tenho-te.
Bordado num esquisso colorido que é mais o meu retrato do que o teu.
E na certeza dessa posse,
esboço um sorriso tolo,
ao ver as gotas de chuva a crepitar como estrelas no alcatrão. 

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