Pão-por-Deus


"Os beijos pelo corpo fazem chorar. Dir-se-ia que consolam. Em família não choro. Neste dia neste quarto, as lágrimas consolam do passado e também do futuro. Digo-lhe que um dia me separarei da minha mãe, que mesmo para a minha mãe um dia já não terei amor. Choro. Ele põe a cabça sobre mim e chora de me ver chorar. Digo-lhe que na minha infância a desgraça da minha mãe ocupou o lugar do sonho.

[...]

Nunca bom dia, boa noite, bom ano. Nunca obrigado. Nunca falar. Nunca necessidade de falar. Tudo fica mudo, longe. É uma família de pedra, petrificada numa espessura sem qualquer acesso. Todos os dias tentamos matar-nos, matar. Não só não nos falamos como não nos olhamos. A partir do momento em que somos vistos não podemos olhar. Olhar é ter um movimento de curiosidade para, por, é descer. Nenhuma pessoa olhada vale o olhar sobre ela. É sempre desonroso. A palavra conversa é banida [...] Qualquer comunidade, seja ela familiar ou outra, é-nos odiosa, degradante. Estamos juntos numa vergonha de princípio que é ter de viver a vida."



                                                                              Marguerite Duras em O Amante (1984)

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