Exame de Rotina


Levo a vida sentada em sofás. 
A enfrentar conversas que me acusam angulosa e impedida.
Parece que nunca tive a idade certa.
Nunca ultrapassei o momento de dizer nunca.
Nem a distância corporal que me traria segura.

Focas-me e desfocas-me.
Preferia que falasses de outra que não eu.
Imaginei até um diálogo alternativo.
Onde cantassem todas as cidades dos meus múltiplos inícios.
Tentativa frustrada a minha.
Devolves-me saturnina como todos os espelhos.

Nem o riso nervoso funciona como alibi.
Vês-me séria.
A mais séria das mulheres.
Todos os meus gestos presos por espartilhos vitorianos.
Falas-me do fumo certeiro dos antigos oráculos.
De como eu o deveria sorver e deixar subir.
Recuperar as origens do meu nome pela busca do que é fútil.
Contudo não reconheço nada de fútil na procura do prazer.

Fecho a porta enquanto te recito com a fúria apaixonada dos salmos.
Reconheço os corpos alheios que perduram em mim como ruínas.
Humedecendo a minha pele com a frescura sacarina dos musgos.
Mas hoje esta memória não me afronta nem embaraça.
Há pessoas que esquecem e outras que guardam.
Eu sou das que gosta de encher bem a mala antes de partir em viagem.



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