Os Platónicos



O baloiçar da minha ansiedade na madeira escura do balcão.
Dentro do que tenho dentro espreitam melodias voluntariosas.

A tua camisa apresenta-se com a familiaridade de um aceno.
A intensidade que se esconde no meu centro,
Assusta cada ponto cardeal que me orienta.
Nem o medo confia mais na sabedoria orgânica do corpo.

Encontramos algum conforto na verticalidade.
Na extravagância da terceira pessoa do singular.
Na reiteração dos sucessos comprovados.

Vamos moldando o instinto em beleza semântica.
Convertendo o animalesco em promessa de erudição.
Quem disse que não podia haver sobressalto no conforto?
Muito me apela a ideia da viscosidade.
A convicção de atrasar os resultados e os predicados.
De compensar em paixão o que vou perdendo em velocidade.


Não hesito em deixar a porta entreaberta.
Pergunto-me se já terias alguma ideia sobre a minha proveniência.
Se te abandonavas assim porque antecipavas a voz e o gesto.

Pareces desconhecer os subterfúgios.
Eu sou especialista em subterfúgios.
Excepto quando me abandono à tirania das sequências.
Mas aqui, nesta hora, nós ainda não somos eco.
O nosso é um exercício de reconhecimento.
Um treino à inesgotável capacidade de ilusão.
Por exemplo: 
Eu ainda não sei se os teus olhos estão tristes ou apenas cansados.
Tu desconheces se o meu rosto é ingénuo ou apenas tonto.

E talvez o correcto seja deixarmos tudo como está.
A aventura de nunca nos chamarmos pelo nome.
De nunca confundirmos confiança com cansaço,
ou intimidade com desprezo.

Não abandonemos nunca esta condição de sedimento.
Sejamos eternamente platónicos.





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