Choque frontal

O teu corpo despedaçado
em contínuo atropelamento
interpelou a minha infância,
as minhas fronteiras,
a minha inesgotável permeabilidade.


Não me ocorreu nada,
apenas chorar a imposta passividade,
a crueza desse movimento
em que a pressa de viver
domina e embrutece.


Um grito sem carne
apodreceu-me a coragem ou
a vontade de empunhar a máscara
e seguir a valsa dos dias.
É uma unha que se insinua forte
e escarafuncha tudo o que é delicado e doce.
Tudo o que bloqueia a homeostasia
de uma produtividade constante e voraz.


Faço do meu bloqueio uma elegia a ti,
meu outro que ficaste na estrada.
Outro que não conheço mas
que és mais meu que os meus sucessos.
A nossa é uma dor sem lugar,
sem valor ou sem direito a prémios.
É a rede invisível que nos encanta e comunica,
que transcende corpos e barreiras,
bandeiras e hinos,
e que persiste imponente para além de todos os desejos de tirania.



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